quarta-feira, 10 de outubro de 2012

"Por Minha Vez!" Matéria Escrita pelo Dr. Flávio Maroja em 1930

Matéria de Jornal Publicada em 1930 pelo Dr. Flávio Maroja
"Eu tinha a cabeça repleta dos famosos conceitos (1) enunciados no discurso do eminente dr. Miguel Couto, proferido na occasião do transcurso do 101o. anniversario da fundação da Academia Nacional de Medicina 2 e da excellente chronica de G. M. (deve ser o dr. Guedes de Mello) sobre Mocidade e Velhice, quando se completou, a 24 de outubro findo, o grande movimento revolucionario que sacudia o paiz desde o dia 4 - sem falar nos dias agitados que vinham de longe (3). Pensei, por instantes, sobre o empolgante acontecimento, fazendo, "de assalto", um pouquinho de Historia patria. Recordei o que se havia passado com os vizinhos da Bolivia, do Perú e da Argentina; levei o meu espírito até o 15 de novembro de 89; vi, pelo pensamento, o  magnanimo Imperador D. Pedro II, e, num mixto de pezar e alegria, proferi, por minha vez, a sublime e rigorosa sentença:  - "Nada ha perpetuo debaixo do sol, e os proprios reis mais se encontram no exilio do que nos thronos."
Quando foi a deposição do presidente argentino, sr. Hypolito Irigoyen, eu disse a alguns de meus intimos, aventurando um prognostico, que, por fim, se realizou: - a bomba estoirou muito perto, sendo possível que u'a faisca venha até nós!… (4)
E, para falar com franqueza e sinceridade, foi sómente nessa occasião, alheio como me achava ao movimento que se tramava á surdina, que admitti a hypothese do mandado de despejo do occupante do Cattete.
Disse muitas vezes que não nasci para ser político.
Faltavam-me, além de outros predicados indispensáveis, o gosto e o geito. Sim, o gosto e o geito.
A primeira Republica apanhou-me na edade dos sonhos e das esperanças; a segunda, ou a nova Republica, como querem alguns, encontroume na edade do desalento e das desillusões.
Deixei a politica desde novembro de 1924, conforme fiz sciente aos chefes e proceres do partido, - isto sem barulho, sem espalhafato, sem recorrer á hygiene para desinfectar a casa, ou á policia para apresentar a minha queixa. 
Mas, deixei, entediado dos processos da politica que se não enquadravam bem com o meu modo de pensar, de sentir e de vêr as cousas pelo prisma que eu imaginava.
Sahi, já se vê, como um revoltado!
Escrevi, distribuindo com alguns amigos, a seguinte e breve declaração  ou despedida: - "Em mim não vejam mais o homem politico, - mas continúem a vêr o parahybano que, desde o inicio de sua vida publica, que data de 1889, tem sabido amar a sua terra e procurado bem servil-a."
Veio, motivado pela successão presidencial, o dissidio do anno transacto, - dissidio que convulsionou todo paiz; mas eu me conservei fiel ao meu juramento. E quando me interpellavam sobre o meu silencio, limitava-me a apresentar a referida declaração, escripta em um pequeno cartão, que conduzo, para não perder tempo em explicações enfadonhas e  inuteis. E este cartão representa, no momento que atravessamos, o meu "lenço vermelho", que, digase sem o proposito de offender, está mascarando a hypocrisia de uns e definindo a convicção de muitos.
Deixei a politica; nem por isto, convém dizel-o, deixei os velhos amigos, que me não fizeram de bexiguento, evitando-me e subindo, quando necessario, as escadas do Palacio a fim de, perante o govêrno do Estado pleitear favores para o Instituto Historico e Geographico Parahybano e para a Sociedade de Medicina e Cirurgia da Parahyba, - dois gremios que estão presos a mim como a sombra ao corpo. E nunca, devo dizel-o, fui desattendido.
Mas, nessa phase de agitação que sacudiu mais a Parahyba do que aos outros Estados da Federação, nem o "liberalismo" me seduziu, nem o "perrepismo" me fascinou!
No torvellinho das paixões desencadeadas, eu não perdi, entretanto, o enthusiasmo que sempre tive pela Republica e o amor que sempre dediquei á minha terra. Convém desde logo registar, com ufania, que esta, na  incandescencia  da lucta que aqui se feriu, acatou a minha resolução de ha 6 annos e respeitou a minha individualidade, por onde andasse, ou apparecesse.
Para nella viver e nella morrer cheguei a recusar o offerecimento d'um collega do Rio, para servir na Diretoria Geral  de Saúde Publica, hoje Departamento de Saúde Publica.
E no tempo da presidencia do velho amigo dr. Epitacio Pessôa, como serme-ia facil u'a remoção, com accesso, para aquelle Departamento!
Agora, a segunda Republica aconselha-me a quebrar o silencio e a falar.
Adherir não tenho a que, - visto como, deixando de ser politico, não deixei no intimo de ser republicano, chorando os  infortunios da minha Patria!
Sempre que no Instituto Historico, em cada 15 de novembro, discursava, dizia da excellencia do regimen, lamentando o descaso, a má fé, o inescrupulo e o impatriotismo dos seus arrogantes e infieis dirigentes.
E o resultado disto já estamos vendo claramente (5)!
Applaudo, por conseguinte, com toda a firmeza, a proclamação (6) (vá lá proclamação) da segunda Republica, - sem calculos reservados, ou pretenções occultas, porque o movimento victorioso que abalou o paiz inteiro nada me deve (5) para ser franco e sincero (7). Dentro das minhas possibilidades espero ainda prestar serviços a minha terra, - sem caracter politico. A despeito dos annos, ainda me não preoccupa grandemente áquelle "otium cum dignitate"  de que não desdenhou o proprio Cicero, apesar das suas inabalaveis energias. Ahi tem o que, no momento, julguei opportuno dizer, sem receiar a injustiça, a má comprehensão, ou a maledicência dos homens.
Brasileiro, eu faço ardentes votos pela felicidade do meu paiz, confiando que os seus novos dirigentes melhor comprehendam a belleza do regimen (8) e melhor saibam cuidar dos seus interesses e possam, sem embaraços, realizar o seu longo programma, curando os males antigos e prevenindo males futuros (9). E para não serem reformados os nossos costumes politicos, combatendo os vicios que estragaram a primeira Republica e desacreditaram os nossos homens publicos, ah, brademos! não valia a pena o emprego de tanto esforço, tanto trabalho, tanta retorica, tanta malquerença, e… tanto sacrificio! 
Numa das correspondencias de Lisbôa, de Fidelino de Figueirêdo para o "Diario de Pernambuco", sob o titulo "Do conceito de geração", lê-se o seguinte empolgante trecho: - "De resto, na base de toda politica está um acto de fé, - fé na solvencia da Patria para os seus problemas, fé na indestructibilidade sempiterna, fé na virtude e no triumpho final da justiça, fé sem desalento na ajuda de Deus aos homens de bôa vontade."Que esas fé seja o guia fiel dos novos dirigentes da nova, ou segunda Republica.”

FLAVIO MAROJA

Transcrito literalmente a partir de recorte de jornal do acervo pessoal de Maria Flávia Maroja von Doellinger, neta do autor. 
O título do jornal não está visível. No cabeçalho, identifica-se que se trata de novembro de 1930, mas o dia exato não está aparente. Pode-se depreender que foi publicado até o dia 5 do mês, por indícios presentes nos demais textos.

(1) Que “famosos conceitos” de Miguel Couto são esses?
(2) A referida academia foi fundada em 30 de junho de 1829, de maneira que o discurso por ocasião do 101o. centenário ocorrera havia poucos meses.
(3) Refere-se à vitória do movimento que ficou conhecido como Revolução de 1930, liderado por Getúlio Vargas.
(4) Interessantíssima relação estabelecida entre um desdobramento de política interna em um país vizinho e outro no Brasil. Isso é ilustrativo de como um político e intelectual de uma província do Nordeste pensava e acompanhava os acontecimentos sul-­americanos,relacionando-­os, por comparação, ao caso doméstico.
(5) Flavio Maroja atribui a falência da República em queda 
aos víciosdos dirigentes, de maneira que fiquem preservadas as virtudes intrínsecas do regime republicano de governo.

(6) Muito interessante que denomine o que passou para 
a história ora como golpe, ora, mais comumente, como 
revolução, como uma proclamação. Qual seria o conteúdo proclamado?Note-­se que o autor mesmo não está seguro da adequação da escolha vocabular.
(7)Os  comentários  elogiosos  poderiam  ter  sua  isenção  contestada  pela  suspeita  de  que  o autor pleiteava  uma  boa  posição na nova acomodação de poder, uma vez que os elogiados  saíram vitoriosos.
(8)Neste  passo,também  transparece uma  opinião  de Flavio Maroja  sobre  os motivos  do  fracasso  da dita primeira República: seus dirigentes não compreenderam bem “a beleza do regime” republicano,nem representaram adequadamente os interesses dela.
(9) Uso de linguagem relacionada à Medicina, área de formação acadêmica do autor.

Carta do Dr. Flávio Maroja ao seu Pai em 1885

 Figura 1- Primeira e quarta páginas da Carta do Dr. Flávio Maroja ao seu pai em 1885

 Figura 2 - Segunda e terceira páginas da Carta do Dr. Flávio Maroja ao seu pai em 1885


Fotos da Carta ORIGINAL escrita pelo Dr. Flávio Maroja em 13 de março de 1885, quando estudava medicina em Salvador na Bahia DIRIGIDA AO SEU PAI.
Observar que nesta foto estão a primeira e a quarta páginas (última), e na segunda foto estão a segunda e terceira páginas.
É importante destacar que o mesmo concluiu o curso médico na capital do Império, Rio de Janeiro em 1888, recebendo o anel de formatura do Imperador Dom Pedro II, aproximadamente um ano antes da proclamação da república. 
Um grande abraço aos meus parceiros nesta tarefa.